O Projeto Atual

O projeto atualmente se intitula “PHENIX: A Ousadia do Renascimento do Indivíduo-Sujeito - FASE IV”. O PHENIX está vinculado ao Departamento de Psicologia (DPI) da Universidade Estadual de Maringá e é coordenado pela Prof.ª Dr.ª Márcia Campos Andrade e Prof.ª Dr.ª Angela Maria Pires Caniato.

Durante oito anos as intervenções foram conduzidas numa Instituição Educacional Pública (depois transformada em Instituição Assistencial Filantrópica) que albergava grupos de adolescentes pauperizados da periferia de Maringá. Atualmente o trabalho não é desenvolvido nessa instituição assistencialista, pois o bairro em que se localiza vem passando por especulações imobiliárias e tornando-se um bairro de classe média. Mais uma vez os adolescentes foram sendo expulsos para além dos limites urbanos, para lugares longínquos da cidade. Hoje as intervenções ocorrem na Colégio Estadual João XXIII com alunos do período da manhã e/ou da noite.

O referido projeto configura-se como uma pesquisa-intervenção, no sentido de que busca investigar a realidade, levantando problemas que demandam respostas da população por ele atendida. Esses problemas emergem da própria população, portanto são específicos ao grupo que vivencia determinada condição psicossocial: são as questões-demanda. O projeto possui duas frentes de trabalho: a prática e a teórica. A frente prática consiste na atuação dos acadêmicos do curso de Psicologia, membros do PHENIX, junto aos adolescentes; a teórica tem como objetivo embasar cientificamente os conteúdos levantados na intervenção prática, e desenvolve-se semanalmente, por meio de seminários.

Nos seminários são estudados os conceitos que constituem as questões-demanda levantadas junto aos adolescentes. Chamamos de questões-demanda ao conjunto de informações recolhidas junto à população nas reuniões as quais, por fazerem parte da problemática do cotidiano dessa população, vêm ao encontro dos interesses e necessidades desses adolescentes. Assim, os temas que surgem serão a base para as intervenções posteriores. Estes temas são discutidos com os adolescentes a partir de técnicas como dinâmicas de grupo, filmes, músicas, notícias, propagandas ou quaisquer outros instrumentos que nos possibilitem ampliar a compreensão acerca do tema abordado.

Objetivo

O objetivo do Projeto PHENIX em relação aos adolescentes do referido Colégio Estadual João XXIII é cooperar para que eles consigam desenvolver um pensamento reflexivo capaz de torná-los menos vulneráveis aos preconceitos e injustiças sociais. Espera-se, dentro desta meta, que eles “consigam buscar acolhimento junto aos seus pares para um vínculo de solidariedade e desfazer a padronização a que estão expostos e, assim, conseguir certa autonomia individual e respeito à alteridade de seus reais parceiros para a resistência à violência e à opressão da sociedade” (CANIATO - Projeto “PHENIX:-a Ousadia do Renascimento do Indivíduo Sujeito – Fase II”, Mimeo, 2008, grifos nossos).

O projeto PHENIX fundamenta seus trabalhos na perspectiva de Freud (1981), que aponta o homem como ser do desamparo, da dependência, que necessita do outro para o desenvolvimento tanto individual quanto coletivo. Assim, por meio do incentivo ao pensamento reflexivo pautado numa crítica imanente, buscamos o desenvolvimento de relações cooperativas entre os adolescentes, em que o respeito e o reconhecimento da alteridade sejam a base para uma transformação da realidade social. Ao refletirmos junto com esses jovens sobre questões por eles vivenciadas no cotidiano pretendemos desenvolver novas formas de saber, em que o questionamento e a crítica sejam importantes ferramentas para eles perceberem, de maneira cada vez mais apurada, como são engendradas as relações interpessoais dentro do contexto social, bem como o processo de dominação ideológica, que possibilita a reprodução da desigualdade e a exclusão sociais.

Metodologia

O Projeto PHENIX busca, por meio da metodologia da pesquisa participante, desenvolver uma “educação emancipatória”. Essa metodologia está em concordância com as visões e assertivas já apresentadas, uma vez que a pesquisa participante busca um trânsito de conhecimento, e não a simples manutenção da desigualdade intelectual entre pesquisador e pesquisado, tão importante para a conservação das exclusões sociais. Outra característica importante desse modo de lidar com o conhecimento é que, ao invés de ocupar-se das informações teóricas dos fenômenos sociais somente depois que eles ocorreram, a pesquisa participante favorece um questionamento da realidade em estudo, por meio do desenvolvimento de uma consciência crítica a respeito do processo de transformação em que o adolescente está inserido, colocando-o assim como produto e produtor da história, para que ele possa assumir de forma autônoma o papel de protagonista social (OLIVEIRA, R., e OLIVEIRA, M., 1988).

Assim, a pesquisa participante tem um compromisso com o sujeito da pesquisa, motivo pelo qual Le Boterf (1985) afirma que ela não possui um método único e previamente definido, visto que os problemas a serem analisados advêm da própria população e isso leva a questionamentos e respostas diferentes em cada pesquisa participante, bem como a procedimentos que possam se adequar a um grupo específico.

O autor propõe quatro fases de composição da metodologia. A primeira busca a apresentação das propostas do projeto para a população e a formação do quadro de indivíduos que integram a pesquisa. A segunda fase consiste no estudo preliminar da região e da população envolvida, para identificar a estrutura social e levantar as necessidades e problemas específicos, articulando-os aos dados socioeconômicos da comunidade à qual pertence essa população. Por fim ocorre a discussão em conjunto desses resultados (feedback), sendo possível, já nessa etapa, a identificação dos problemas prioritários, os quais devem ser analisados para a busca de soluções (questões-demanda). Na terceira fase é feita a análise crítica dos problemas considerados prioritários, e no final dela, a devolução dos resultados para a população. Na quarta fase ocorre a criação de um plano de ação, em que é feita uma programação com o intuito de buscar soluções, e então, são desenvolvidas atividades com o objetivo de pensar os problemas levantados. Nessa fase são utilizados procedimentos que facilitam o diálogo e a compressão para expor a questão a ser discutida enquanto questão-demanda. A pesquisa participante não se encerra nessa fase, pois novos problemas surgem enquanto outros ainda estão sendo trabalhados.

No projeto PHENIX todos os procedimentos e discussões que acontecem no momento da intervenção junto aos adolescentes são devidamente relatados em um “Diário Antropológico” (memória da pesquisa), no qual são anotadas as impressões do grupo e diversas observações sistemáticas do processo de intervenção. Também se registram nesse diário as reuniões de planejamento que o grupo PHENIX realiza anteriormente à intervenção.

A parte teórica do projeto é dividida em três encontros semanais, cada um com enfoque nos seguintes estudos: 1) pesquisa bibliográfica e orientação em grupo dos temas vinculados às questões-demandas; 2) leitura sistemática da obra de Freud à luz dos pressupostos da Teoria Crítica de Theodor Adorno e; 3) estudos dirigidos com os acadêmicos e mestrandos dos principais conceitos da obra de Theodor Adorno.

O objetivo das intervenções é desenvolver junto aos adolescentes um pensamento reflexivo, pautado numa crítica imanente a fim de que esses jovens, que vivem em condições sociais adversas, possam se tornar agentes transformadores da realidade social. São propostas que Adorno (1995) designa como “Educação Emancipatória”. Isso significa dizer que tais reflexões – sobre as questões que os mantêm atados a estereotipias – permitem o desenvolvimento de uma consciência crítica condizente com a reconstrução de um coletivo solidário e uma crescente politização das suas vidas cotidianas.

O que se evidencia nos encontros com os grupos de adolescentes é a construção de autoimagens bastante distorcidas e a ignorância quanto à reprodução que efetivam das categorizações sociais estereotipadas de que são alvo. Em um primeiro momento, os adolescentes não conseguem identificar a crueldade a que estão expostos em suas inserções na sociedade, por isso ficam impossibilitados de se desvencilhar das amarras dos preconceitos (CANIATO, 2008) e entregues ao sofrimento do conformismo perverso (SAWAIA, 1999) que os mantém apáticos; e ao mesmo tempo, reproduzem nas relações entre si a violência social que lhes é imputada. Consequentemente, não conseguem se unir uns aos outros para desenvolver práticas psicossociais compromissadas consigo e com os seus iguais, nas quais a solidariedade possa existir e embasar práticas de resgate da humanização (resistência) que sejam sustentadas por uma ética que não reproduza o extermínio dos homens (ADORNO, 1986a; BAUMAN, 1998).

A metodologia da pesquisa participante conduz, também, ao desenvolvimento de um processo de autocrítica que torna cada um permeável, receptivo e identificado com as demandas da população-alvo, pois todos estão vulneráveis a serem manipulados e cooptados pelas formas padronizadas, violentadoras do ser-indivíduo – “máscara mortuária” – (ADORNO, 1986b). Além do mais, para que o “Senhor Capital reine soberano” (CARONE, 1991) é exigido que os indivíduos sejam padronizados e reproduzam o modo de ser necessário à manutenção do status quo. Todos são chamados a dar a adesão ao modo desprezível, preconceituoso e autoritário como a sociedade lida com as populações pauperizadas. Então, como ser aliado desses grupos sem temer represálias e punições, como as que eles comumente vivenciam?

Trabalhar neste projeto de pesquisa-intervenção significa, destarte, manter uma “atenção flutuante” contínua com relação às implicações perigosas da violência como forma por excelência do viver humano na sociedade contemporânea globalizada (CANIATO, 2008). Tais violências corrosivas não terminam no âmbito da intimidade subjetiva – nessa espécie de prazer em “lamber as próprias feridas” – mas penetram sorrateiramente nos vínculos interpessoais, nos moldes do que Theodor Adorno examina em “Educação após Auschwitz” (1986a)