História

TEXTO

Da aula inaugural ao projeto PHENIX: um breve relato sobre o início da nossa história

Adriana Rodrigues

Em outubro de 1999 participei do I Encontro Paranaense de Psicologia Social, promovido pela ABRAPSO (Associação Brasileira de Psicologia Social/Núcleo Londrina) realizado na Universidade Estadual de Londrina (UEL). Na ocasião, cursava o terceiro ano da faculdade de Psicologia na Universidade Estadual de Maringá (UEM) e tive a oportunidade de me aproximar da Professora Angela Caniato, que lecionava na mesma universidade, porém num departamento da área da saúde. Lembro-me de conversarmos bastante sobre os caminhos da Psicologia e da Psicanálise naquele momento histórico e político. Foi um encontro no qual descobrimos importantes afinidades teóricas e ideológicas. A partir de então, começamos a estreitar nossos laços.
Ainda no ano de 1999, um dos coordenadores estaduais do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra do Estado do Paraná (MST/PR), Roberto Baggio, participou de um evento na UEM, falando sobre o MST e o direito político de resistência. Lembro-me desta palestra ter produzido na Professora Angela uma notável euforia revolucionária, sentimento que ela mesma traduziu dizendo que dali saia “esperançosa” e com a convicção de que precisava direcionar seus esforços para iniciar um trabalho que discutisse o “direito político de resistência” com as populações excluídas. Estava plantado ali o embrião do que viria a ser o Projeto PHENIX.
No ano seguinte, início de 2000, eu fazia parte da direção do Centro Acadêmico de Psicologia (CAPSI) responsável pela recepção aos calouros juntamente com o Departamento do Curso (DPI). Dentre várias atividades, o CAPSI apresentou a proposta de realizar uma aula inaugural com a Professora Angela, justamente pelo seu evidente compromisso social e político com a Psicologia. Os representantes do Departamento tinham outras e não chegamos a um consenso. O CAPSI passou a organizar o evento de forma independente e, com muito sucesso, realizou a proposta de aula inaugural. Naquela ocasião os representantes do Departamento enfatizaram que se considerávamos tão importante a participação da Professora Angela, deveríamos lhe convidar para retornar ao Curso de Psicologia. Foi então, que com o apoio do CAPSI retornou ao Curso, ministrando a disciplina de Ética Profissional para a turma do 4a ano, da qual eu fazia parte.
Começamos a trabalhar juntas e ainda no inicio do ano letivo de 2000 lhe fiz a proposta de começarmos a estudar o texto de Freud, “O mal-estar na cultura”, um desejo antigo. Angela prontamente abraçou a idéia e montamos um grupo de alunos e professores com encontros semanais para um minucioso estudo da obra.
Neste período a Professora Angela foi convidada para realizar algumas palestras sobre Violência e Direitos Humanos, no Núcleo Social Papa João XXIII, localizado numa comunidade da periferia do município de Maringá. O convite partiu da assistente social que coordenava no município o Programa do Governo Federal “Agente Jovem”, desenvolvido no Núcleo Social Papa João XXIII. Os adolescentes inseridos neste Programa demonstraram grande interesse pelos temas apresentados. A partir daí, o Núcleo Social abriu a possibilidade da criação de um espaço regular para estas discussões.
Foi então que a Professora Angela me chamou para uma reunião e relatou que estava elaborando um projeto de Pesquisa-Intervenção para trabalhar com aqueles adolescentes o resgate da subjetividade, dentro de uma perspectiva de desenvolvimento da consciência crítica e como expressão da exigência de resgate do direito político de resistência daquela população que vivia sob o contexto de pauperização, exclusão, violência social e violação dos direitos humanos. Encantei-me com a idéia do Projeto e me propus a auxiliar na construção do trabalho.
Participamos de algumas reuniões com a coordenação do Núcleo Social a fim de compreendermos os meandros do espaço sob o qual faríamos a intervenção. Posteriormente lhes apresentamos o Projeto “PHENIX: a Ousadia do Renascimento da Subjetividade Cidadã”.
Angela solicitou que eu fizesse a seleção de quatro alunos de cada série, do primeiro ao quinto ano, para integrar o Projeto. O critério principal para a escolha era um “bom engajamento político” e ela entendia que eu poderia fazer esta seleção por participar ativamente do Movimento Estudantil e por presidir o CAPSI na época. Construímos então uma equipe de trabalho que compartilhava de propostas ideológicas e teóricas semelhantes. Em outubro de 2000 iniciamos nossas atividades junto aos jovens do Núcleo Social, atravessando o Programa “Agente Jovem”.
Utilizamos o termo “atravessando” porque mesmo no início dos trabalhos, sem termos ainda uma compreensão dos reais objetivos do Programa, sabíamos que tínhamos uma proposta de intervenção cujos objetivos certamente estavam em oposição à proposta do Estado para estes jovens.
O “Programa Agente Jovem de Desenvolvimento Social e Humano” foi elaborado pela Secretaria do Estado e da Assistência Social do Governo Federal, sendo a execução das atividades atribuição das Prefeituras Municipais. Em Maringá, o Programa sofreu algumas alterações e recebeu o nome de “Programa Agente Jovem de Desenvolvimento Social e Humano/ Líder Comunitário do Novo Milênio”. Sua realização acontecia no Núcleo Social Papa João XXIII, organização não-governamental, numa parceria entre a Prefeitura Municipal e a Fundação Colégio Irmãos Marista (atualmente, a parte do Núcleo Social que dá assistência as crianças e adolescentes passou a se chamar Centro Social Marista - CESOMAR).
O método de trabalho do “Programa Agente Jovem...” consistia na realização de atividades escolares no contra turno, como atividades manuais, esportivas e culturais. Dentre os 350 jovens da Vila Vardelina que atendiam aos critérios para admissão – renda familiar de até dois salários mínimos, entre outros - foram selecionados pelo Núcleo Social apenas 25 jovens.
Ainda tateando o terreno deste Programa, iniciamos o “Projeto PHENIX...” com objetivos bem definidos:
[...] nossa intervenção busca, em um processo conjunto com esses jovens, refletir no que consiste a verdadeira condição cidadã no seio de uma realidade que os expropria das condições mais elementares de dignidade, evidentemente derivada da marginalização do poder econômico e político em nossa sociedade. No decorrer desse trabalho de discussão crítica, a pretensão é de fornecer instrumentos reflexivos para que esses jovens possam melhor compreender as mazelas que enfrentam no cotidiano de suas vidas, desenvolvendo uma criticidade-participativa no processo de inserção social, para quiçá modificar a realidade em que vivem. (PROJETO PHENIX: questionando algumas entrelinhas de um Projeto governamental. RODRIGUES, A., CANIATO, A.M.P. Anais do II Encontro Paranaense de Psicologia Social, Editora Massoni, 2001, p. 60).

Nesta perspectiva, fomos buscar na Pesquisa-Participante ou Observação-Militante (BRANDÃO, 1981, 1984, THIOLLENT, 1981) os subsídios metodológicos. Optamos por este método de pesquisa por permitir ou exigir do pesquisador e da população participante um engajamento sócio-político e, sobretudo, por entender que o pesquisador exerce influência objetiva e subjetiva no trabalho que realiza. Logo, uma postura previamente definida de compromisso com os pesquisados coloca o pesquisador na posição de produzir um conhecimento coletivo que tenha a finalidade primeira de beneficiar a população participante. Contesta, portanto, o mito da “neutralidade científica” e questiona os princípios ideológicos nos quais se sustenta a produção do conhecimento. Além disso, a Pesquisa-Participante se fundamenta na construção de um saber coletivo, numa atividade em que interagem pesquisadores e pesquisados, destacando as singularidades, convergindo nos pontos possíveis e construindo uma contínua relação de troca reflexiva sobre a realidade vivida.
Com o método de trabalho definido, nos encontrávamos semanalmente com os adolescentes do Programa. Eles selecionavam os temas sobre os quais desejavam discutir e a partir de então nos preparávamos teoricamente. Na semana seguinte retornávamos para trabalhar com o grupo, confrontando os seus saberes com o saber teórico que levávamos, com a finalidade última de produzir um saber coletivo que, respeitando a realidade daqueles jovens, pudesse lhes ajudar a avançar no entendimento das questões psicossociais vivenciadas. Trabalhamos com este grupo de outubro a dezembro de 2000.
Nos anos seguintes continuamos vinculados com grupos dos “Agentes Jovens”; porém, a cada ano novas turmas de adolescentes se formavam. Nossa metodologia continuava a ser a Pesquisa Participante, mas as questões demandadas eram outras.
Os três meses de experiência (outubro a dezembro de 2000) funcionaram como um projeto piloto e nos apontaram alguns caminhos. Passamos a intensificar a preparação teórica dos acadêmicos que compunham o Projeto PHENIX, realizando semanalmente Seminários em que aprofundávamos os estudos sobre os temas relativos à nossa intervenção, dentre os quais se destacaram: O Projeto PHENIX; o Programa Agente Jovem; a Pesquisa-Participante; As Armadilhas da Globalização (Martin & Schumann, 1985); Indústria Cultural e Educação Emancipatória (Adorno, 1985 e 1995); A Banalização da Injustiça Social (Dejours, 2001); O Homem e a Cultura (Leontiév, 1978); O Latino indolente: caráter ideológico do fatalismo latino-americano (Martin-Baró, 1987).
Logo no início do ano seguinte, em maio de 2001, realizou-se em Maringá o II Encontro Paranaense de Psicologia Social, promovido pela ABRAPSO (Associação Brasileira de Psicologia Social/Núcleo Maringá). Convidamos os adolescentes a participarem do Encontro como parte da nossa intervenção junto ao “Programa Agente Jovem...”. Estiveram conosco em vários momentos, inclusive apresentando uma coreografia numa das atividades culturais. Para este Encontro realizamos a primeira sistematização do trabalho e abordamos quatro questões: a análise do Projeto PHENIX em contraposição ao Programa Agente Jovem; o método de Pesquisa-Participante; relato das atividades realizadas até então (todas descritas no Diário Antropológico no qual eram feitas as anotações das intervenções e estudos teóricos) e uma discussão sobre o conceito de cidadania na atualidade. Os adolescentes assistiram a apresentação e notamos que se sentiram incomodados, sobretudo com a análise crítica que apresentamos do “Programa Agente Jovem...”.
Fizemos uma pesquisa aprofundada nos materiais teóricos deste Programa governamental e concluímos que, apesar da aparente preocupação com a proteção desta população jovem, tratava-se de uma política de contenção de parte das massas juvenis miserabilizadas. Mostramos esta realidade sem os vieses ideológicos, que sob um manto de proteção e humanidade, camuflavam uma política social que compactuava com a exclusão, com a finalidade última de manter a política econômica e o status quo, independente da crescente miséria econômica e social que se consolidava em nosso país.
Após o Encontro retomamos o trabalho com os adolescentes e discutimos aquela experiência. Surgiram muitas dúvidas, pois desconheciam a filosofia deste projeto governamental e lhes foi difícil admitir, por exemplo, que havia nele uma visão preconceituosa e de controle da população pauperizada a qual pertenciam. Trabalhamos muito até conseguirmos esclarecer nossas análises e lhes certificamos a importância de conhecerem estes mecanismos de dominação a que eram submetidos, a fim de conseguirem deles se emancipar. Tivemos o cuidado de demonstrar que nossa postura era de contraponto à proposta do “Programa Agente Jovem...”.
Neste percurso nos deparamos com a predominância de um pensamento bastante fatalista entre os adolescentes. Conseqüentemente o estudo sobre o fatalismo se impôs ao nosso grupo e buscamos em Martin-Baró (1987) a possibilidade de melhor entender este fenômeno.
Para Martin-Baró (1987), o fatalismo se fundamenta na idéia de uma vida predestinada pela onipotência divina, sendo a ação humana incapaz de interferir neste processo. Este pensamento se traduziria numa postura de passividade, conformismo e submissão e resultaria no que o autor denominou “presentismo”, ou seja, a compreensão de que não seria necessário conhecer a história passada, nem tampouco projetar o futuro, pois o “destino” já estaria traçado e seria inevitável.
Martin-Baró (1987) afirma, ainda, que na América Latina esse fenômeno pode ser mais facilmente observado devido ao processo de destruição da memória histórica dos povos latinos pelos colonizadores. Na ausência desta memória histórica, exaltaram-se as relações de dependência dos colonizados para com os colonizadores. Com o passar do tempo estas relações foram se intensificando e os povos passaram a desacreditar em suas possibilidades de coordenar as instâncias mais elementares da vida. O Estado por sua vez assumiu este controle e para mantê-lo difundiu e normatizou valores como a docilidade e a passividade, valores que de tão naturalizados passaram de ideologia à mentalidade. Contudo, o autor assegura que esta dominação psicológica nunca é completa, os povos dominados não aceitam de forma total as imposições de inferioridade e dominação, criando lacunas de onde sempre podem emergir resistências.
Os estudos serviram de fundamento para intervenção e para continuidade das análises. A partir de então, realizamos a segunda sistematização dos trabalhos e a apresentamos no XI Encontro Nacional da ABRAPSO, em 2002, realizado na Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis. Aprofundamos e ampliamos as análises já iniciadas, discutindo também o conceito de fatalismo de Martin-Baró e o livro “Armadilhas da Globalização” de Martin & Schumann, articulando estes conceitos teóricos ao nosso trabalho junto àqueles adolescentes. Esta sistematização resultou no artigo “PHENIX: a Ousadia do Renascimento da Subjetividade Cidadã II”, publicado em 2002, no volume 14 da Revista da ABRAPSO, Psicologia & Sociedade.
Desta sistematização destacamos a análise do Programa Agente Jovem. Depois de um ano realizando nossa intervenção de forma a atravessar este Programa, reunimos um conjunto de elementos que nos possibilitavam alcançar uma compreensão mais exata dos seus reais objetivos. Elaboramos esta análise sob o título “Projeto PHENIX: buscando as raízes ideológicas de um projeto governamental”.
Desde o início de nossa intervenção nos chamava a atenção o termo utilizado pela assistência social para designar esta população de adolescentes: “grupos especiais de risco” ou “adolescentes em situação de risco pessoal e social” (Programa Agente Jovem de Desenvolvimento Social e Humano/Líder Comunitário do Novo Milênio. Prefeitura Municipal de Maringá, Estado do Paraná, 1999, p.10). Partindo de nossas inquietações, passamos a questionar o caráter ideológico e instrumental que este conceito apresentava.
De acordo com o Programa, esta população deveria ser atendida por ações sócio-educativas, capazes de “reverter indicadores sociais pela ação corretiva e preventiva do Jovem Agente Social e Humano junto à comunidade” (p.07). Estes indicadores sociais que definiriam os “grupos especiais de risco” nos remeteram à discussão de Gilberto Velho (1987) ao trabalhar o conceito de “categorias de acusação”. Trata-se de um processo no qual uma série de atribuições negativas são imputadas a um determinado grupo social, colocando-o em posição de oferecer perigo à sociedade. Numa perspectiva semelhante, Coimbra (2001) trabalha com o conceito de “criminalização das classes perigosas”, ação cometida pelos detentores do poder, por meio da construção da idéia de que as classes sociais empobrecidas são potencialmente criminosas, justificando socialmente as políticas de repressão. Partindo desta compreensão, fizemos outra leitura do objetivo do Programa Governamental citado no início deste parágrafo: estes adolescentes seriam estigmatizados pela categoria “adolescentes em situação de risco pessoal e social”, para que assim se justificassem as “ações corretivas e preventivas” do Estado a fim de conter os riscos sociais que representavam.
Outro objetivo do Programa Agente Jovem era o de formar “agentes sociais” ou “líderes comunitários” que teriam as seguintes tarefas: “serão realizadas ações efetivas na comunidade, identificando problemas, solucionando e/ou encaminhando aos setores responsáveis, sensibilizando a comunidade para as formas de prevenção e resolução dos problemas detectados” (p.12). De forma velada, o que se esperava destes adolescentes era que atuassem em suas comunidades, exercendo um papel de policiamento, “identificando problemas” e “encaminhando aos setores responsáveis”, ou seja, lhes era delegada a tarefa de vigiar e delatar seus iguais.
Na perspectiva de Foucault (1997) a classe centralizadora do poder reservou-se a possibilidade de cometimento de atos altamente atentatórios aos interesses coletivos, atos esses de grande rentabilidade econômica, relegando à classe marginalizada do poder, tão somente a possibilidade de cometimento de reações individuais violentas, com alta visibilidade e alarma social, mas de lesão a interesses meramente individuais de baixa lucratividade. Isto se traduz nas leis atuais que, antes de selecionar condutas como criminosas, selecionam pessoas aptas a cometerem estas condutas, funcionando de forma altamente seletiva e desigual.
Assim, quando o “Programa Agente Jovem...” convocava os adolescentes a atuarem “detectando problemas” não especificados, trazia consigo os valores morais e éticos e os interesses político-econômicos daqueles que o elaboraram. Logo, eram chamados a reprimirem e delatarem o que era considerado “problema” para as classes centralizadoras do poder. Estavam sendo chamados a difundirem a ideologia do Estado dentro das comunidades miserabilizadas da qual faziam parte, funcionando como instrumentos de vigilância e controle de seus iguais, a fim de deixarem os causadores dos “problemas” a salvo destes mesmos “problemas”.
Analisamos um a um os objetivos do Programa e ao fim, compreendemos que por trás da proposta pedagógica fundamentada na retórica de uma educação social e cidadã ao “jovem protagonista do novo milênio”, ocultava-se uma depurada forma de controle social sem discurso punitivo, mascarada por um discurso de preocupação humanitária, que na prática se traduzia em tutela e contenção destes adolescentes. Lamentavelmente em diversos momentos percebemos a internalização desta ideologia de segregação, exclusão e fatalismo, na forma de pensar e agir daqueles adolescentes.
Portanto, em nosso entendimento, o “Programa Agente Jovem...” era um instrumento comprometido com o ideário do Estado que, ao provocar ou compactuar com uma situação de crescimento acelerado de uma sociedade altamente excludente, nada oferecia às populações miserabilizadas visando sua emancipação, mas, ao contrário, lhes impunha – algumas vezes com sutileza – uma série de mecanismos de controle e exclusão social. Um dos objetivos do Projeto PHENIX ao atravessar o “Programa Agente Jovem...” era o de trabalhar de forma a possibilitar a criação ou recuperação de instrumentos de reflexão crítica, apostando na possibilidade de um processo de emancipação por meio da conscientização dos condicionamentos sociais velados. (LYRA FILHO, 1985)
No percurso deste trabalho e na dialética das experiências enfrentadas, o Projeto PHENIX e o Grupo PHENIX amadureceram, desenvolvendo-se tanto na teoria quanto na prática, evolução que foi possível comprovar na comemoração dos dez anos de caminhada do PHENIX realizada em dezembro de 2010. Na perspectiva de quem deixou o projeto há alguns anos, a consolidação teórica do grupo salta aos olhos. O intenso envolvimento dos alunos com a pesquisa-intervenção, desde os mais jovens até os pós-graduandos, contribuiu para a formação de uma linha de pesquisa bem fundamentada com ramificações em amplas frentes de intervenções. Uma caminhada longa e um grupo grande de pesquisadores desenvolvendo um trabalho sério e contínuo é mérito que precisa ser enaltecido.
No momento de sua criação, considerando as dificuldades e limitações iniciais, o PHENIX significou a ampliação de um importante campo de atuação para os futuros profissionais da psicologia naquele contexto. Na época o curso não contava com projetos de pesquisa semelhantes, tampouco dispunha das disciplinas ou estágios em Psicologia Comunitária. Portanto, a escolha por atuar com populações excluídas, possibilitando o contato com o que a viria ser um dos grandes campos de inserção dos psicólogos na atualidade, ou seja, o trabalho junto às comunidades, populações e indivíduos em situação de vulnerabilidade social, foi uma decisão ousada e acertada.
Nestes onze anos, muito já foi construído e muitos já se construíram no ninho do Phenix. Os jovens do Núcleo Social, do CESOMAR, da Escola Pública Estadual João XXIII e os jovens estudantes de Psicologia se construíram mutuamente em experiências de troca de saberes. O Projeto PHENIX cresceu em suas frentes de intervenção e felizmente continua com seus mais nobres objetivos de trabalhar para uma “educação emancipatória” (ADORNO, 1995). Mais adiante neste livro, serão relatadas algumas das intervenções desenvolvidas pelos acadêmicos de Psicologia junto aos adolescentes, assim como algumas pesquisas bibliográficas – correspondentes as questões/demandas levantadas nas intervenções – que foram desenvolvidas neste período, sob a orientação das professoras atualmente integrantes do PHENIX: Angela Maria Pires Caniato e Regina Perez Christofolli Abeche.
Aqueles que deixaram o ninho para empreender outros vôos, carregam consigo a marca do PHENIX, vale dizer, o desejo de ação e transformação da realidade social e a convicção de que temos um papel importante a cumprir como psicólogos imersos nesta cultura de desigualdades: contribuir para fazer renascer das cinzas a subjetividade do nosso povo, tão fortemente marcado pela miséria, a opressão e o sofrimento.

 

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Adriana Rodrigues atuou no Projeto PHENIX desde seu início em outubro de 2000 até o final do ano de 2003. É mestre em psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina, com Formação em Psicanálise pela Escola Brasileira de Psicanálise (EBP/SC). É doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina, na linha de pesquisa Psicanálise, Cultura e Sujeito. É psicóloga na Secretaria de Assistência Social do município de São José, em Santa Catarina.